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“O Brasil foi pioneiro na questão gay e hoje é o mais atrasado”, diz Marta Suplicy

Muita gente pode torcer o nariz, mas não é possível falar da história da Parada Gay de São Paulo sem citar Marta Suplicy. Prova disso é que, em  homenagem ao evento, ocorrida recentemente na Câmara Municipal de São Paulo, o seu nome e sua contribuição enquanto deputada federal e prefeita foram mencionados.

Até a história de que ela ajudou a pagar a bandeira do arco-íris em 1997 foi revelada. Em entrevista exclusiva ao site A Capa, Marta Suplicy disse não lembrar do fato, mas fez questão de reforçar que sempre apoiou a Parada Gay desde o começo. A ex-ministra lembrou ainda da sua época de prefeita e contou que ajudou bastante a organizar e deu "recursos para que ela pudesse dar esse salto".

Nesta quarta-feira, Marta participa de uma mesa sobre direitos LGBTs na Câmara Municipal de São Paulo, a partir das 19h. Pioneira no Brasil ao apresentar, em 1995, o projeto de lei da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, a ex-ministra acredita ter sido responsável por trazer a discussão dos direitos homossexuais à tona. "Algo que não era comentado passou a ser discutido", diz.

Na entrevista que você confere a seguir, Marta confirma que estará presente na Parada Gay do próximo domingo. "Estarei no trio do Ministério do Turismo", afirmou. 

O seu projeto de parceria civil já completou 14 anos e até hoje não voltou ao plenário. Qual é a sua análise?
Nós tivemos um empenho muito grande para ter o projeto aprovado nas comissões, que foi a grande luta. E esse período, de ser aprovado nas comissões, resultou na quebra de um tabu que até então era muito forte e não se podia falar sobre homossexualidade, de travesti, de lésbica, ou seja, nada relacionado a esse tema. A discussão do projeto propiciou uma enorme discussão no país, uma polêmica, pois tinha gente que era contra e tinha pavor. Mas o principal foi que se pode falar sobre o tema em todas as circunstâncias e estratos sociais, a favor ou contra. Algo que não era comentado passou a ser discutido.

Hoje, a televisão fala sobre o assunto…
Sim. As novelas passaram a incorporar os temas e os personagens gays. Isso tudo fez um avanço muito grande. Em relação à votação do projeto, nós mesmos retiramos do plenário umas duas vezes quando percebemos que seríamos derrotados, e o motivo pelo qual ele não é votado até hoje é o mesmo: temos uma bancada muito forte que é contrária e sempre impede a votação na hora "H". O projeto não foi votado enquanto eu era deputada. Depois, ele foi esquecido. Eu deixei de ser deputada e ele ficou parado. Agora, o Genoíno [José Genoíno, deputado federal pelo PT-SP] está retomando com outros contornos e com outra proposta que não fala de parceria civil.

A oposição uniu a imagem de casamento ao PL.
Casamento nunca foi o proposto pelo projeto, mas ele ficou como. Inclusive, muitos amigos homossexuais e companheiros de partido acharam que, na época, iriam me ajudar no dia da votação do projeto. Quando tivemos que retirar do plenário, um desses meus amigos desceu de helicóptero numa praia, um vestido de noiva e o outro de noivo, e aí foi um desastre. O processo foi muito difícil, nós víamos isso como um direito de cidadania.

E como está o projeto hoje?
Temos o novo projeto do Genoíno, onde ele coloca de outra forma. Mas, nesse período todo, durante esses 14 anos, desde ele ir a plenário até agora e pela própria discussão que ele gerou, nós consideramos que houve avanços importantes, que há um Estado mais avançado nessa área.

O Judiciário tem dado pareceres favoráveis em alguns casos…
Por isso é importante ter lei, ela permite as pessoas não precisarem recorrer à Justiça. Torna-se um direito.  Algumas pessoas têm conquistado isso na Justiça, mas tem custo, demora e isso pode acabar com a lei. Por isso, será uma vitória muito importante se esse projeto [união civil] passar e que isso se consolide.

Podemos dizer que a senadora Fátima Cleide (PT-RO) sofre a mesma resistência que você sofria?
Olha, eu não sei qual é o nível de ataques que ela sofre. Mas posso lembrar que na minha época sofri várias perseguições. Acredito que deve ser diferente, porque antes ninguém falava disso, era mais complicado. E as pessoas que eram contra continuam sendo contra.

O Brasil tem avançado?
Nós temos países que são muito atrasados, em mais de 75 países a homossexualidade é crime. No Afeganistão é pena de morte, na Arábia Saudita, Irã. Temos prisão na Mauritânia, no Paquistão, Barbados, Cabo Verde, Índia, Jamaica, Nigéria, Cingapura… Isso pra você ter uma ideia. E temos pena inferior a dez anos em Angola, Argélia, Uzbequistão, Senegal, Camarões, Marrocos. Também temos locais onde a pessoa abertamente homossexual não pode ingressar no serviço militar, por exemplo, nos EUA…

Don’t ask, don’t tell…
É, o Estados Unidos têm essa política. Ou seja, a pessoa pode ser homossexual, mas não pode falar nada.

O preconceito ainda é muito forte?
Sim, mas nós temos alguns países adiantados, onde pessoas do mesmo gênero podem se casar. A África do Sul, Espanha, Canadá, Bélgica. E temos lugares com a união estável onde pessoas do mesmo sexo têm a união reconhecida legalmente, que foi o proposto por nós, esse tipo de união ocorre na Irlanda, na Cidade do México, Reino Unido, Suíça, França, Groenlândia e, hoje, a Colômbia está discutindo. A humanidade caminha para essa aceitação.

Mas o nosso país…
Eu fico muito indignada, pois o Brasil foi pioneiro em determinado momento e de repente virou um dos países mais atrasados.

O Uruguai tem aprovado uma série de leis pró-LGBT…
Sim, a Argentina é um país gay-friendly. E nós não conseguimos aprovar nem o PLC 122 que criminaliza homofobia.

Considera que parte desse atraso é devido à ação da bancada religiosa?
Eu diria que é culpa das bancadas que têm princípios conservadores, pois temos setores religiosos que apoiam as leis. Eu diria também que isso é culpa de parte de políticos que são mal informados quanto à homossexualidade e que ainda a consideram uma doença.

Recentemente, o deputado Eduardo Paes Lira (PTC-SP), que assumiu a cadeira do Clodovil, declarou que é contra as políticas pró-LGBT e que é necessário conservar os valores cristãos e da família. O que você pensa sobre isso?
É uma pessoa que vive num profundo preconceito e tem imensa dificuldade em pensar algo diferente do que a vida inteira acreditou. Infelizmente temos pessoas que são impenetráveis a qualquer tipo de argumento, mas temos outras que estudando a questão e conhecendo mais profundamente, entendem a questão e mudam de opinião. Então, espero que esse senhor possa se sensibilizar e se mostrar aberto à dor e sofrimento das pessoas que hoje não usufruem de uma possibilidade de cidadania, que pagam os seus impostos e que são cidadãos de bem.

Por que ainda hoje os parlamentares têm resistência em apoiar projetos de leis que garantam direitos aos homossexuais?
Eles têm medo do eleitorado que ainda se sente constrangido em falar do tema. Acredito que o tema [LGBT] possa até ter regredido nesses últimos anos. Apesar de um avanço bastante grande, uma outra parte da sociedade avançou em sentido oposto.

Na primeira Parada Gay de São Paulo, em 1997, a senhora, além de apoiar, ajudou a pagar a bandeira do arco-íris…
Nossa, eu nem lembrava disso.

Naquela época você imaginava que a Parada fosse crescer tanto?
Nós não tínhamos essa preocupação e eu nunca imaginei que fosse crescer tanto. A gente tinha a preocupação de colocar o movimento na rua para que as pessoas prestassem atenção nessa questão. No começo era bem pequeno e depois foi tomando rumos. Quando eu fui prefeita, ajudei bastante a organizar e dei recursos para que ela pudesse dar esse salto.

E hoje são 3 milhões de pessoas na av. Paulista…
A Parada Gay hoje transcende a questão homossexual, ela virou uma atração da cidade, está no calendário.

Há pessoas que criticam e acusam a Parada de ser um carnaval fora de época. Você concorda com esse tipo de crítica?
Não. A Parada, pela dimensão dela, tem uma enorme importância e ela coloca o tema na rua. Muitas vezes de um jeito mais folclórico, de um jeito mais alegre, mas as pessoas se deparam com o movimento e com o exercício de liberdade que faz com que elas pensem. Mesmo as pessoas mais conservadoras, quando elas veem a Parada e a não a violência dela, a sua alegria, as famílias, elas percebem que aquilo é uma manifestação respeitosa.

O seu governo foi marcado por um grande diálogo com as casa noturnas através do projeto "Por uma São Paulo Melhor", e o governo atual é pautado pelo não diálogo. Considera isso um retrocesso?
Sempre há retrocesso quando o diálogo não existe.

O governo Lula acaba de lançar o Plano Nacional de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual. No ano passado, o presidente foi à abertura da I Conferência Nacional LGBT…
Isso foi um marco importante na história do Brasil, um passo que foi dado pelo Lula e eu fiquei satisfeita, pois ele não só deu o passo como foi ao lançamento da Conferência e falou muito bem. Isso mostra como as pessoas mudam. Há trinta anos ele não tinha essa concepção. Lembro que uma vez, fui conversar com ele sobre o tema e ele teve uma reação completamente diferente, mas sempre foi uma pessoa aberta ao novo, sensível a mudar de opinião. Ele cresceu e hoje ele apoia.

A senhora vai à Parada Gay?
Sim, estarei no carro do Ministério do Turismo.

A senhora é a segunda colocada para a disputa do governo estadual de São Paulo. Pensa em disputar?
Eu vou disputar em 2010, o cargo eu ainda não sei. No momento, apoio o Palocci (Antonio Palocci, PT-SP) para o governo, mas se a candidatura dele não se concretizar aí eu vou avaliar a questão.

Serviço:
Local: Câmara Municipal de São Paulo, às 19h
Endereço: Viaduto Jacarreí, nº100, 8º andar
Debate: Os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e os três poderes
Participantes: Marta Suplicy, Maria Berenice Dias, Fernanda Benvenutti e Paulo Vanuchi (a confirmar)

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