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Márcio Retamero: O autoconhecimento é libertador

Sérgio Viula (foto) é, como ele mesmo gosta de se definir, uma metamorfose ambulante. Ex-pastor batista, teólogo, professor, pai e gay não definem, de maneira alguma, o que ele é.

Hoje ele sabe que é bem mais que tudo isso e que nenhum rótulo lhe cabe, mas somente descobriu isso mergulhando para dentro dos quartos escuros que cada um de nós temos na alma. Esta fascinante viagem, o autoconhecimento, além de libertação existencial de muitas amarras impostas pelo adestramento social, produziu o livro “Em Busca de Mim Mesmo”, que Sérgio lançará na Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro (Comunidade Betel), no próximo dia 20 de fevereiro às 17h30.

Confira abaixo a entrevista que ele concedeu, por e-mail, à coluna Religião do nosso site. Desejamos que, assim como ele, você também faça essa viagem existencial libertadora.

Quando e como surgiu a ideia de escrever "Em Busca de Mim Mesmo"?
Quando eu finalmente saí do armário, encerrei alguns conflitos e iniciei outros. Estava resolvido quanto a mim mesmo, mas incompreendido pelas pessoas da igreja e da família quanto à minha homossexualidade e a decisão de me emancipar. Também pensei muito no sofrimento de tantos homossexuais ainda não resolvidos, alguns dos quais eu conheci pessoalmente. Vi a crescente onda de fundamentalismo tentando atropelar os direitos civis que os homossexuais têm pleiteado por tanto tempo. Tudo isso me fez crer que colocar minha experiência e analisar alguns questionamentos de ordem existencial poderia ser uma forma de contribuir para o esclarecimento de muitas pessoas. Foram quase sete anos cozinhando as ideias que apresento no livro.

Na contracapa do livro você declara que a canção do Raul Seixas, "Metamorfose Ambulante" poderia ser o jingle da obra. Como aconteceu sua metamorfose?
Essa metamorfose custou muito tempo e sofrimento. Acredito que não seja prazeroso tudo o que a lagarta passa dentro do casulo até finalmente poder romper o invólucro que a aprisiona para finalmente abrir as asas e voar. No meu caso, o sofrimento emocional foi insuportável. Quando criança, eu tinha medo da reação da família, dos amigos, da igreja etc. Achava que no dia em que eles soubessem (com certeza) que eu era homoafetivo a casa iria cair sobre a minha cabeça. O tempo passou, eu saí do armário depois de ter casado com uma mulher, ter tido dois filhos e ter atuado como pastor, e descobri que tinha razão: a casa caiu. O sofrimento desse enfrentamento, porém, não se comparava ao do enrustimento. Além disso, não durou para sempre. Hoje mesmo, antes de dar essa entrevista, estava conversando sobre essa fase com meu parceiro, minha filha e o namorado dela, enquanto jantávamos num restaurante e trocávamos ideias sobre o livro. Ela lembra bem de muitos desses momentos e se emocionou bastante lendo alguns desses episódios.

Continua se metamorfoseando?
Sim. O melhor da vida é a mudança e não a permanência. Aliás, nada permanece do mesmo jeito na natureza de fato. Até as montanhas sofrem erosão e viram pó com o passar dos anos. Eu sou muito mais frágil que uma montanha, apesar da força com que enfrento os desafios da vida. Sofro mudanças todo dia – cada dia um pouco. Depois que saí do armário, muita coisa mudou para melhor na minha vida, não por ter me assumido simplesmente (isso foi só o começo), mas por viver de modo transparente, racional, afetuoso, ético. Perfeição não existe. É apenas uma ideia que geralmente se torna um ideal. Felizmente, para ser bom e feliz, o indivíduo não precisa ser perfeito. Se preciso fosse, ninguém seria bom ou feliz. Não sou perfeito, mas procuro viver eticamente, e essa ética tem tudo a ver com a liberdade e a felicidade. No livro, esse conceito é melhor explicado do que no espaço de que disponho aqui.

Seu livro é autobiográfico. De que maneira seu livro contribui para a causa LGBT?
"Em Busca de Mim Mesmo", como sugere o título, é uma biografia, mas não se esgota aí. Na verdade, os dados biográficos são o fio condutor que alinhava tudo o que discuto no livro.

A meu ver, o conteúdo que apresento pode contribuir de muitas maneiras. Primeiro penso que ele possa contribuir para encorajar os homossexuais que ainda se sentem acossados pelo preconceito dos outros e atormentados pelo preconceito que já foi internalizado por muitos deles mesmos. Depois, penso que o livro contribui para a causa LGBT principalmente no que diz respeito aos embates com os fundamentalistas homofóbicos. Alguns "calcanhares de Aquiles" dos fundamentalistas ficam bem expostos ao longo das discussões que eu apresento no livro. Quem procurar ler com atenção, destacando os pontos mais relevantes vai ter muito conteúdo para pensar e expandir. Quero que seja um ponto de partida mais do que um ponto de chegada.

No livro você fala sobre responsabilidade e ética no comportamento sexual LGBT. Fale-nos mais sobre isso.
Eu amo a liberdade. Penso que todos têm o direito de ser como são ou desejam ser, desde que isso não atinja os direitos básicos dos outros. Quando se fala em ética, muita gente logo pensa nesse ou naquele estereótipo. Não penso assim. Para mim, um dos maiores problemas dos LGBT é a indiferença. É de extrema importância para a manutenção e expansão das liberdades e dos direitos – muitas vezes sinônimos – que ajamos com ética e responsabilidade, e isso implica algum tipo de engajamento. A maioria dos LGBT nem sabe a que veio: só pensa na diversão. Precisamos ter responsabilidade e ética em tudo – desde a relação sexual com o(a) parceiro(a) até o trato com a coisa pública. Muitos homossexuais só agora estão se dando conta da importância do engajamento político, por exemplo, por causa dos fundamentalistas neuróticos que têm povoado as eleições e os horários de programação independente em certas emissoras de TV.

Entendi que você faz uma crítica positiva em relação às "Paradas do Orgulho". Na sua opinião, o modelo está ultrapassado? Quais alternativas temos?
Eu gosto das "Paradas do Orgulho LGBT". Gosto dessa visibilidade. A questão é: se estamos na vitrine, o que estamos mostrando? A festa é fantástica e deve continuar a existir! Festejar a liberdade e o amor também é comunicar. Agora, se paramos aí, não atingimos nosso objetivo principal: pleitear direitos, denunciar injustiças, exigir a punição adequada aos crimes de homofobia, etc. A Parada LGBT do Rio tem mantido esse caráter combativo. Não posso falar de todas, porque não estive nas outras cidades, exceto as mais próximas: Duque de Caxias, Niterói, Friburgo, por exemplo. Em todas elas, pude ver o lado político da parada bem vivo, mas a voz dos organizadores ainda fica restrita ao carro de abertura. É preciso ampliar isso. O discurso tem que ser veiculado por todos os carros de som simultaneamente. E o povo LGBT tem que prestigiar esse momento, ao invés de ficar apressado para dar pinta ao som dos DJs. Eu adoro brincar nas paradas, rir, tirar fotos, encontrar amigos, cortejar as drag queens. É um momento festivo, sim. Porém, também é um momento de protesto, de demanda, de informação. E todos precisamos estar muito cientes disso. A parada não é o único meio de expressão, mas é um meio valiosíssimo se bem utilizado. E a prova disso é o ressentimento amargurado dos fundamentalistas e homofóbicos de plantão contra as Paradas do Orgulho LGBT, assim como o crescente número de simpatizantes que prestigiam as paradas com a própria família.

O PLC 122/2006 acaba de ser engavetado e sabemos que o fundamentalismo religioso contribuiu muito para isso. Na sua opinião, a militância LGBT sabe fazer frente ao fundamentalismo religioso? Como combatê-lo?
Penso que ainda não. A militância se movimenta, mas algumas ações não parecem estar funcionando bem, porque os fundamentalistas continuam alcançando seus objetivos. Há que se dizer também que as ONGs LGBT não podem fazer muito sem o devido apoio. Fico impressionado com o fato de não se ter conseguido um milhão de assinaturas entre os próprios LGBT para pressionar o Congresso e o Senado a aprovar a lei. Na Parada de Copacabana (acho que de 2009) havia até carro de som com computadores em cima disponíveis para as pessoas aderirem à campanha, e mesmo assim não se atingiu esse número. Isso demonstra desarticulação e indiferença da parte dos próprios indivíduos LGBT. Os direitos civis dos LGBT têm alcançado mais êxito no Judiciário (que age tecnicamente) e no Executivo (por meio de decretos e medidas provisórias) do que no Legislativo (dominado pelo lobby evangélico e católico).

Estou muito convencido de que informação correta em linguagem acessível a todos é o melhor caminho para combater o fundamentalismo que tenta contaminar as massas. Enquanto as coisas ficarem na troca de "slogans", o esclarecimento genuíno não vai avançar. A mídia tem favorecido esse esclarecimento em alguns momentos. Na novela Ti-ti-ti, por exemplo, o fundamentalismo cedeu ao bom senso quando o casal formado por Julinho (André Arteche) e Osmar (Gustavo Leão) foi separado pela morte de Osmar. A mãe do falecido fez todo o discurso do fundamentalismo homofóbico nas cenas seguintes, mas acabou cedendo diante do amor genuíno de Julinho pelo filho dela. Esse tipo de texto colabora para o esclarecimento das massas, mas ainda tem muita gente elegendo candidatos financiados por essa ala neurótica, e eles acabam fazendo o jogo daqueles que os apoiaram e que provavelmente voltarão a apoiar se não forem contrariados.

No livro você também faz uma crítica às igrejas ditas inclusivas. Como você enxerga tais instituições?
Podem ser úteis quando servem de porto seguro para aqueles que ainda se acham solitários depois de uma experiência traumática de emancipação ou que estão em vias de se emanciparem. Por outro lado, podem ser contraproducentes para o próprio movimento LGBT quando são uma cópia das outras, com a única diferença de estarem voltadas para o público LGBT. Pessoas gays, lésbicas, bissexuais e os três Ts (travestis, transexuais e transgêneros) podem continuar amarradas a dogmas escravizadores se fizerem parte de grupos que mantém a mesma mentalidade das igrejas ditas tradicionais e pentecostais. Todavia, é possível que uma igreja transcenda tudo isso e seja uma alavanca para a verdadeira emancipação e amadurecimento pessoal. Isso, porém, demanda mais coragem e maturidade do que o ato de sair do armário.

Como teólogo e ateu, professor, pai, gay assumido, acredita que a exposição de sua vida contribui de alguma maneira à causa LGBT no Brasil? Como?
Acredito. Penso que quando as pessoas veem tantos paradoxos no mesmo indivíduo e notam que esse indivíduo conjuga equilíbrio e alegria na vida de uma forma saudável e construtiva, elas acabam notando que as "caixinhas" que a sociedade lhes deu para classificarem tudo o que encontram pela frente são pequenas demais para coisas tão grandes como o ser humano e a vida, e acabam se abrindo para as diferenças, inclusive a as próprias. Na realidade, nada há de mais comum do que a diferença.

Como nossos leitores podem adquirir seu livro?
Basta acessar meu blog www.glsgls.blogspot.com para obter mais informações.

Deixe uma mensagem para os leitores da coluna religião do site A Capa.
Não tenha medo de mudar. Não use o pretexto de que ser você mesmo vai fazer os outros sofrerem. As pessoas aprendem e o sofrimento delas passa. O seu, não. Viver frustrado a vida toda, por negar quem você realmente é, significa perder tudo o que você tem de mais precioso: tempo. E se lhe disseram que tempo é dinheiro, mentiram. Dinheiro você perde e ganha de novo. Tempo, se você perder, não ganha nunca mais. Seja você mesmo em seu mais nobre e belo estilo! Organize sua vida para viver de forma independente. Esteja perto de quem ama você por amor retribuído e não por dependência financeira ou emocional. Ser dono de si e amar a si mesmo é o primeiro passo para ser feliz. E só as pessoas felizes conseguem respeitar e amar o outro do modo intenso e genuíno.

* Márcio Retamero, 36 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.

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