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Homenagem ao jovem Alexandre Ivo

Se tivesse dado tempo…

Se tivesse dado tempo eu iria a algumas festas, em outras não seria convidado, mas iria mesmo assim, sabe como é, coisas de um menino de 14 anos.

Se tivesse dado tempo eu iria ao shopping no ano que vem e compraria um presente pro meu namorado que eu nem sei quem poderia ter sido.

Se tivesse dado tempo, poxa, eu achava que ia dar, eu sentaria no ponto do ônibus pra esperar nada nem ninguém, apenas pra ver a vida correndo e me invejando sem pressa alguma.

Se eu soubesse que não daria tempo, eu comeria mais brigadeiros, mais balas 7 bello, teria lambido mais bacias de bolo que minha mãe certamente faria, eu furaria todas as latas de leite moça do mundo e teria experimentado os doces lacrados do mercado.

Se passasse pela minha cabeça de menino bobo que a vida pode ser interrompida e que matam gente como se mata bicho, eu teria feito as pazes com o amigo que briguei dias antes, teria dito a minha mãe o quanto a amava, dez vezes por dia e a abraçaria já com pena do que ela teria que suportar. Do peso que é a ausência de quem se pariu pra amar.

Se tivesse dado tempo, eu picharia o muro do meu colégio lembrando a todos de se amarem mais, de se beijarem mais, de não deixar passar em branco qualquer sentimento bom que se tenha, porque a vida pode sim se transformar em morte em dez segundos.

Se tivesse dado tempo eu explicaria na sala de aula à professora de Biologia, o motivo de eu ter rasgado o capítulo do livro em que dizia que o homem nasce, cresce, se reproduz e morre.

Se tivesse dado tempo eu teria pedido a minha mãe pra ver Alice no país das maravilhas em 3d, comendo pipoca, ia pedir por favor pra ela não brigar por eu querer o combo maior, ah mamãe, seria o último…

Aí, na confusão de gente que entra e sai da tela, eu ia fugir e escapar com o chapeleiro maluco da covardia do mundo que não precisa de óculos especiais, mas precisa lenços pra enxugar lágrimas.

Se eu imaginasse que aos 14 anos minha mãe deixaria de me dar a mesada pra comprar meu caixão eu juro que teria ido pela outra rua, eu juro que viraria pássaro e chegaria em casa voando, observando os covardes do carro branco, os assassinos de crianças perdidos feito bobos procurando o menino biônico que acabara de cruzar os céus feito uma estrela iluminada.

Se me dessem tempo de argumentar, eu teria apenas dito a eles pra que cuidassem então da minha mãe, eu só pensei nela a cada segundo triste.

Se tivessem me dado escolha, eu escolheria viver é claro. então não acreditem mais quando dizem que a vida é feita de escolhas. Nem sempre é assim.

Se tivesse dado tempo eu teria passado a senha do orkut, do twitter e pediria ao meu melhor amigo pra escrever luto e mandar em mensagem automática o que realmente aconteceu, um retrato falado em 140 caracteres. E o mais importante em apenas nove, EU TE AMO.

Se por acaso eu tivesse tido tempo de chamar minha mãe, eu teria dito a ela que estava doendo, que ela me abraçasse e passasse o merthiolate que não arde.

Se por acaso tivesse dado tempo, eu teria me declarado a ele, teria dito que o amava muito, mas tinha vergonha de dizer com medo que ele somente achasse graça e virasse de costas.

Se por acaso tivesse dado tempo, naquela fração de segundos onde a vida dá lugar a morte, eu teria beijado a face de quem minha face deixou irreconhecível.

Se tivesse dado tempo e por Deus, tinha que ter dado, eu me formaria juiz. Porque quem me matou certamente matará novamente, porque quem mata criança tem a alma doente e sem sombra de duvidas estaria um dia sentado na minha frente ouvindo a sua condenação.

Se tivesse dado tempo eu teria gritado por socorro, pro Ben 10, pro Naruto, Pro Super Homem ou pro Zorro, porque em nenhum momento eu acreditei que não fosse uma obra de ficção, Até o derradeiro momento em que não tinha mais ar, não tinha mais forças e não sentia mais meu pequeno coração.

Alexandre Ivo Rajão, 14 anos, foi assassinado na segunda-feira, 23/06/2010, em São Gonçalo-RJ.

* Rafael Menezes é vice-presidente do Grupo Cabo Free

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