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Disparatada: E se os gays não tiverem um kit?

Em um país ainda tão desigual (crescimento econômico não é sinônimo de justiça social) todo mundo discute o medo das criancinhas virarem viados ao lerem ou assistirem vídeos sobre diversidade sexual na escola a ponto de a miséria não dar Ibope. Pode?

Tentei não escrever algo sobre o Serra e os cristãos que o apóiam, mas não resisti. Às vezes temos que enfrentar os pensamentos que nos causam náuseas, porque depois, pode piorar.

Em vez de ampliar a discussão sobre políticas públicas e participação democrática, que, é verdade, há muito tempo está fora das disputas eleitorais, eles continuam com o dedo na cara da gente, que, sendo gay ou não, defendemos uma sociedade laica e com direitos iguais.

O próprio cristianismo perdeu espaço nestas discussões, porque o que se faz pode vir de quem se diz cristão, mas em nada tem a ver com a prática histórica do Cristo: de acolher, comer, andar e viver com aqueles e aquelas do seu tempo que ninguém poderia se aproximar. E, o que ele tinha de melhor, criticar e enfrentar as lideranças políticas, religiosas (hipócritas) de sua época. Por isso, os pastores e padres deveriam estar preocupados em denunciar os fariseus, e não se aliar a eles a partir do que irão ganhar em troca!

Mas, e se o tal kit anti-homofobia, que via a má fé dos líderes religiosos tornou-se conhecido como "kit gay", nunca existir enquanto material didático nas escolas públicas deste país? Talvez tenhamos que nos perguntar mais sobre os resultados da sua ausência, do que sobre as consequências de sua implementação.

Pensem comigo. Se as coisas continuarem como estão, mantém-se o paradoxo: o kit nunca existiu para continuar existindo sempre. Afinal, ele vira e mexe volta à mídia e à pauta das discussões políticas. Tudo começou com a presidenta, e disso não podemos esquecer. Segundo os mais bem informados, Dilma achou melhor proibi-lo e ceder às ameaças da bancada cristã conservadora de chamar o Palocci para depor sobre as suspeitas de irregularidades no governo caso ela apoiasse a ideia do referido material.

Sim, o kit, sob valores que em nada têm de evangélicos, foi a moeda de troca para que os políticos cristãos não investigassem a possibilidade de irregularidades com a verba pública. Mas, que cristãos são esses meu Deus? Imaginem se Jesus fosse partidário do toma lá dá cá que seus filhos estão legitimando? Talvez não tivesse morrido na cruz e hoje não teriam a quem rezar.

Além disso, a não existência do kit nos revelou outra coisa sobre a conjuntura política brasileira. A cama vale mais do que o prato. Isto é, a moral em torno do sexo parece ser mais importante (e por isso perigosa) do que a luta contra a fome. Em um país ainda tão desigual (crescimento econômico não é sinônimo de justiça social) todo mundo discute o medo das criancinhas virarem viados ao lerem ou assistirem vídeos sobre diversidade sexual na escola a ponto de a miséria não dar Ibope. Pode?

A disputa pela prefeitura e todo o investimento na discussão do kit ainti-homofobia (para quem não sabe o candidato à prefeitura que disputa o segundo turno com o Serra era o Ministro da Educação que acatou o "veto" da presidenta) em São Paulo revela uma dinâmica que não está longe de acabar. Como tem sido, penso que seguirá. As disputas das eleições que virão, não serão diferentes. Os direitos sexuais e reprodutivos estarão na berlinda.

Talvez seja esse outro ensinamento que temos que considerar quando pensamos na ausência do kit anti-homofobia nas escolas: a sua não implementação enquanto política pública é ponto negativo para todas as pessoas que lutaram pelos diretos de homens e mulheres. Afinal, o não enfrentamento da homofobia desde a infância é prova de que o machismo e o discurso religioso conservador e fundamentalista continuará tirando direitos, inclusive, dos próprios heterossexuais.

Outro aprendizado é como às vezes aceitamos a lógica do outro. É como se, contra o inimigo, valesse tudo, ainda que temporariamente/estrategicamente. Muitos estão dizendo que o Serra, quando no poder, também apoiou materiais educativos em prol da diversidade sexual, e, por isso, não deveria criticar o seu concorrente. Em vez de visibilizar a luta contra a homofobia (inclusive institucional-religiosa, porque liberdade de expressão religiosa não é garantia para incitação à violência), afirmam que o outro também praticou o que muita gente está vendo como aberração.

Na verdade, triste verdade, sabemos que a pauta dos direitos sexuais e reprodutivos na sua íntegra, como deve ser, da forma como foi defendida por tantas pessoas que já morreram sem ver esses direitos aplicados, não arrecada votos a ponto de alguém ganhar as eleições. E, minha tristeza é compartilhada por muitos cidadãos, mas não o suficiente para de fato elegermos políticos diferentes, assumidamente "fora do armário" quanto a questão é o que envolve a cama, a moral, o enfrentamento aos "bons costumes" que ameaçam a vida de todos nós.

Espero que os eleitores de São Paulo (e do Brasil) levem tudo isso em consideração, e tudo o mais que se possa tirar dessa lição. E que, se não se tem o candidato ideal, pelo menos sabemos de que lado os piores estão. Isso, se não necessariamente para ganhar essa eleição, para pensarmos nas próximas e em que cidade queremos e o quanto estamos dispostos a viver comprometidos com a vida daqueles e daquelas que precisam de mais direitos.

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.
 

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