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Direitos: Transexuais podem mudar de nome sem a cirurgia de transgenitalização?

Muitas pessoas se perguntam se transexuais precisam ter feito a cirurgia de transgenitalização, também conhecida como cirurgia de mudança de sexo, para mudarem de nome no registro civil. A resposta é não. Não podemos, no entanto, deixar de fazer uma reflexão jurídica sobre o tema, pois, pra que a mudança de nome dê certo, há muitas outras varáveis envolvidas.

Vamos começar pelo começo, por mais redundante e óbvio que isso pareça. No Brasil, não temos uma lei específica que trate da mudança de nome e sexo para travestis e transexuais. Aqui temos apenas uma lei genérica, a Lei n. 6.015/1973, chamada de lei de registros públicos (LRP).

Para mudar de nome, transexuais e travestis podem entrar com uma ação na justiça (artigo 57 da LRP) com base em dois de seus artigos.

Uma alternativa é alegar que seu nome social constitui apelido público e notório, isto é, já não são mais conhecidas pelo nome de batismo. Famosos já mudaram de nome assim, como o Lula e a Xuxa. Uma diferença técnica é que eles só adicionaram esses “apelidos públicos e notórios”, sem retirar o prenome de batismo, mas não deixam de ser bons exemplos. Essa hipótese consta no artigo 58 da referida lei.

Outra alternativa é alegar que seu nome de batismo lhes expõe a constrangimento e, por isso, devem ser suprimidos ou alterados, para refletir uma identidade de gênero que lhes proteja de humilhações. Neste caso, a previsão legal está no artigo 55, parágrafo único, da LRP.

Essa é a teoria. Na prática, a ausência de uma lei específica cria uma situação frágil, em que a mudança de prenome depende do entendimento do juiz. Se ele for sensível à causa de travestis e transexuais, é quase certa a mudança de prenome. Caso contrário, é bom ter contratado um advogado que compre a briga; leia-se: o advogado vai ter que entrar com recurso para que o tribunal de justiça mude a sentença que nega o pedido de mudança de nome.

Além de depender do Judiciário, é claro que “cada caso é um caso”. Em geral, os juízes querem ter a certeza de que você realmente é transexual e que a decisão de mudar de prenome não é algo passageiro. Cá entre nós, quem já conversou com uma transexual ou conhece minimamente o preconceito pelo qual elas passam, sabe que ninguém acordou, um dia, e resolveu mudar de nome. Não dá pra gente esperar que o juiz vá ser uma dessas pessoas, até porque eles costumam ter um perfil muito conservador. Por isso, na ação de mudança de nome, infelizmente, conseguir uma sentença favorável depende muito de estar num estágio avançado da transformação. Para a maioria dos juízes, laudos psicológico, endocrinológico e psiquiátrico bastam, mas, pra juízes conservadores, isso não adianta e precisa, sim, de cirurgia. O que os juízes querem com isso? Pra falar português bem claro, eles (os juízes), na maioria das vezes, querem que você esteja num estágio médico irreversível, prejudicando transexuais que aguardam a fila do SUS pra cirurgia e aquelas que nem querem ou não têm dinheiro pra fazê-la pelo médico particular.

Apesar de, mais uma vez, sabermos que, sendo transexual, não dá pra apagar seu passado simplesmente deixando de tomar hormônios ou “desfazendo” cirurgias de mama e etc, muitos desembargadores não conseguem ou não querem entender isso. Ao negar o pedido de transexuais não cirurgiadas, eles negam o fato, inclusive já consensual na medicina, de que a identidade de gênero está na mente e que o corpo meramente reflete isso. Quer dizer, ser mulher não se resume a ter vagina, que é apenas o último de uma longa série de procedimentos cirúrgicos extremamente invasivos e inacessíveis. O mesmo se aplica aos homens trans, é claro.

No entanto, há luz no fim do túnel. Até agosto de 2013, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo não deixava transexuais mudarem de nome sem a cirurgia, até que uma decisão da 5ª Câmara de Direito Privado mudou esse posicionamento. Em meados de fevereiro, foi a vez da 4ª Câmara de Direito Privado também mudar de posicionamento. Vejam que conquista: já temos dois órgãos do Tribunal Justiça de São Paulo que permitem a mudança de nome de transexuais sem cirurgia.

Pra que fique claro, quando entramos com a ação de mudança de prenome, quem vai dar a sentença é o juiz. Essa é a primeira instância ou primeiro grau. Aqui é relativamente comum conseguir a mudança de nome sem a mudança de sexo. Mas como não existe um banco de dados pra pesquisar sentenças de primeiro grau, não dá pra fazer uma estatística.

A ação só vai pro Tribunal de Justiça quando o juiz nega o pedido de mudança de nome ou quando o Ministério Público contesta a sentença que autorizou essa mudança. Daí, quem julga é o desembargador, que funciona como um chefe do juiz. Ele corrige a sentença, de acordo com seu convencimento. Aqui ficam as tais Câmaras de Direito Privado, que vão julgar os recursos sobre as sentenças de mudança de nome. E é aqui que está a novidade. Cada vez mais os desembargadores estão simpáticos à causa de travestis e transexuais, a ponto de não exigir a cirurgia de transgenitalização pra que a mudança de nome aconteça. Nas palavras do desembargador James Siano, “não será o procedimento cirúrgico, em si, que definirá a sexualidade da pessoa, mas, sim, o sexo psicológico estabelecido de maneira irreversível”.

Felizmente, hoje podemos responder que, sim, dá pra mudar de nome sem ter feito a cirurgia.

* Thales Coimbra é especialista em direito LGBT; graduado e mestrando em filosofia do direito pela Faculdade de Direito da USP, onde estuda discurso de ódio homofóbico; é fundador e coordenador do Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade; é colunista sobre Direitos nos portais A Capa e Gay Brasil. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt

 

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