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Destaques GLS: Gay sufocado pela família?

 "Eu não posso deixar que ninguém saiba que eu não sou hétero. Isso seria tão humilhante. Meus amigos iriam me odiar, com certeza. Eles poderiam até me bater. Na minha família, já ouvi várias vezes eles falando que odeiam os gays, que Deus odeia os gays também. Isso realmente me apavora quando escuto minha família falando desse jeito, porque eles estão realmente falando de mim… Às vezes eu gostaria de desaparecer da face da Terra."                                             

Essas palavras reais de desespero foram escritas por um estudante de 16 anos em seu diário. Quando completou 20 anos, ele morreu após se jogar de um viaduto, em uma rodovia, no meio de caminhões. O nome dele era Bobby Griffith, e a história dessa tragédia real, ocorrido em 1979, virou um filme para a TV americana, exibido no último final de semana.

"Prayers for Bobby" ("Orações para Bobby"), foi considerado um sucesso para uma produção com um assunto tão dramático. Foram cerca de 3,8 milhões de espectadores na estreia no sábado (24) e 2,3 milhões na reprise no domingo. O número de acessos ao site do canal Lifetime disparou 169%, com internautas sedentos por mais informações sobre o filme, tema obrigatório na comunidade gay de lá nesta semana.

Os críticos de TV adoraram e já apontam a veterana Sigourney Weaver, 59, como favorita ao Emmy 2009, Oscar da TV, na categoria melhor atriz. Ela, famosa nos anos 80 devido aos filmes da série Alien, interpreta Mary Griffith, a mãe de Bobby, que tenta "curar" o filho homossexual com religião e terapia. Após o suicídio do rapaz, ela questiona o fundamentalismo de sua religião, se redime e vira uma militante em prol dos direitos dos gays. Meno male!

                                                          

Fuja da depressão
A história de Bobby é bastante conhecida por estudiosos da homossexualidade. Eles entendem que uma correta educação das famílias sobre o assunto ajudaria a prevenir tragédias como essa. Hoje, 30 anos depois de sua morte, mesmo em metrópoles, as famílias de todos os credos e classes sociais ainda encurralam seus filhos gays para quadros de depressão, revolta e desesperança.

Há diversos estudos alertando que a taxa de suicídios é explosiva entre jovens homossexuais, principalmente entre efeminados, usuários de álcool e drogas, que não resistem a tanta pressão e angústia.

"Um em cada três homossexuais tentou se suicidar pelo menos uma vez nos EUA", cita a psicoterapeuta Marina Castañeda, em "A Experiência Homossexual" (editora A Girafa, 2007, 327 págs), hoje um dos melhores livros com explicações e conselhos para gays, suas famílias e terapeutas.

"A construção da identidade gay dura, em média, 15 anos. Isso implica um longo período de incerteza que, evidentemente, tem um custo afetivo muito elevado. Os anos que muitos homossexuais passam se perguntando e explorando sua sexualidade poderiam explicar seu isolamento e sua imaturidade em certos campos. Em inúmeros casos passaram boa parte de sua juventude em conflitos internos ou em relações problemáticas, engajados na difícil tarefa de compreender a sua identidade sexual", escreve Castañeda.

Opressão religiosa
Uma família esclarecida poderia ajudar bastante a reduzir as taxas de suicídio. Em "Orações para Bobby", pelo contrário, a mãe anda com a Bíblia debaixo do braço e prega post-its com mensagens religiosas no banheiro lembrando o filho do seu pecado. O irmão é a primeira pessoa para quem Bobby se abre, ao contar que sonha com homens, e não com meninas.

A atuação do jovem suicida ficou a cargo do ator Ryan Kelley, 22, que fez participações em séries de TV como "Smallville" e "Ghost Whisperer". Críticos avaliaram bem a interpretação do rapaz, mas ponderam que ele teve a ajuda do trabalho extraordinário de Sigourney Weaver, principalmente nos diálogos em que tenta convencer sua mãe de que não é culpado por sua homossexualidade. A trilha também ressalta o clima deprê do caso, com destaque para o hit "Hope for the Hopeless", da cantora e pianista A Fine Frenzy.

Filmes como "Orações para Bobby" fazem parte de uma nova safra de produções com foco em conflitos homossexuais, antes restrita ao circuito alternativo. O "gay movie" invadiu espaços antes conservadores e virou um filão comercial para a indústria do audiovisual desde o sucesso de "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005).

No Brasil, os canais abertos ainda estão bem atrasados em renovar a discussão desses dramas. O Lifetime, que exibiu "Orações para Bobby", pode ser considerado um canal para donas-de-casa.

Essas produções feitas para a TV não costumam entrar em cartaz nos cinemas brasileiros, como ocorrerá com "Milk – A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant, filme sobre o primeiro prefeito gay de São Francisco, com estréia aqui no próximo dia 20 de fevereiro. Mas no YouTube, os fãs não param de postar trechos de "Orações para Bobby", com pedidos comoventes para que sua tragédia não se repita, e que ele consiga, finalmente, descansar em paz.

*Sérgio Ripardo é jornalista e autor do "Guia GLS SP" (Publifolha). Fale com ele: sergio.ripardo@uol.com.br

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