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Ativistas da II Conferência LGBT apontam para uma tensão maior entre o movimento e governo

Terminou às 2h do último domingo (18/12) a II Conferência Nacional LGBT, em Brasília. Durante quatro dias mais de mil ativistas do Brasil inteiro debateram propostas, avaliaram avanços e retrocessos no que diz respeito à aplicação das políticas públicas voltadas para a comunidade gay.

O evento, que começou sob fortes protestos de ativistas contra o governo Dilma, terminou com posições críticas ao governo federal e ao próprio ativismo gay.

A reportagem do site A Capa conversou com alguns presentes para fazer um balanço do que foi o evento em termos de organização e efetividade política. A opinião consensual entre os entrevistados é que vivenciamos um momento de um impasse e estagnação política. Enquanto uns consideram que há avanços, outros apontam para um movimento gay que necessita de capacitação política para melhorar o seu diálogo com os poderes legislativos, judiciário e executivo.

Organização
O ativista Wagner Tronolone, do Diversidade Tucana (setorial LGBT do PSDB), disse à reportagem que a organização da II Conferência Nacional LGBT está inferior em relação a primeira.  "A conferência acabou sendo inferior em comparação com a Conferência de 2008. Inicialmente, acho que isso se dá porque as ações do Plano de Combate a Homofobia, que saiu da primeira Conferencia não foram efetivadas e isso fez com que o debate patinasse. Nós estamos aqui discutindo mais ou menos as mesmas coisas que nós discutimos três anos atrás", critica Tronolone.

Já a ativista Mitchelle Meira, coordenadora de políticas públicas LGBT da prefeitura de Fortaleza, acredita que há avanços em torno da organização, principalmente no que diz respeito às votações eletrônicas. "Acredito que essa conferência deu um passo muito importante, quero destacar a votação eletrônica no sentido de que não tem como coagir ninguém, a partir deste voto secreto se deu autonomia para as pessoas realmente dizerem o que querem e também para expressarem a sua vontade. Com isso a gente tira a perspectiva de que as pessoas vem para cá mandadas e a gente começa a trabalhar a partir da perspectiva da autonomia dos indivíduos".

Jandira Queiroz, ativista e coordenadora do projeto "Mães Pela Igualdade", aponta para uma organização boa na questão logística, mas ruim na aplicação do dinheiro público. "A organização dessa Conferência está correndo tudo bem no sentido logístico… Porém, houve problemas com pessoas que receberam os convites e passagens muito tarde. Isso aumenta muito o custo do evento e é preciso lembrar que essa conferencia é realizada com recursos públicos e eu gostaria que o nosso dinheiro fosse utilizado com mais efetividade", declarou.

Vaias à presidente Dilma
A antropóloga e especialista em gênero, Regina Facchini, que participou pela primeira vez da Conferência Nacional LGBT, disse à reportagem que as manifestações contra a presidente Dilma na abertura do evento são importantes para forçar uma mudança de postura da presidência em torno das questões LGBT.

"No primeiro dia houve uma manifestação em relação à presidenta Dilma, que considero relevante na medida em que coloca o quão importante seria que a presidenta tivesse outra postura com relação às questões LGBT. O quanto o movimento precisa do apoio da presidenta, então, neste sentido pode ter sido uma coisa muito interessante: de chamar à atenção o fato de que não dá pra uma questão tão delicada como é a LGBT não contar com o apoio político forte da presidência e de toda a estrutura dos ministérios".

Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, disse que os protestos já chegaram ao gabinete da presidente Dilma. "Já chegaram no quarto andar do Palácio do Planalto [gabinete da presidente Dilma], já temos algumas indicações que as pessoas querem conversar.  A presidenta vai ter que fazer uma mediação: ela tem um posicionamento contra a homofobia, mas ela é a presidenta de todos: dos LGBT e dos fundamentalistas, então ela vai ter que fazer essa mediação, mas ela terá de ser pautada pela constituição federal. Como bem disse o ministro Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, políticas têm de ser pautadas pela Constituição e é nesse sentido que a presidenta deve se pautar", declarou Toni Reis.

"Espero que tenha sido um recado claro não apenas para a presidência do Brasil, como para a presidência de algumas redes e grupos. Esses atos são o reflexo de uma política institucional do movimento que foi autoritário durante anos e que agora está refletido no governo eleito. Então é um recado do movimento LGBT: não estamos unificados, não temos consenso no que a gente quer, um PLC [projeto de lei que visa tornar crime a homofobia em todo o território brasileiro] que ruiu, que parte do movimento ficou unido durante muitos anos em torno de um projeto que estava fadado ao fracasso desde 2006, insistiu nessa pauta apesar de outras vozes terem surgido para alertar que poderia ter problemas aí", critica Jandira Queiroz.

Mitchelle Meira também considera legítimo o protesto na abertura da Conferência. "Todos os protestos são legítimos e o movimento é isso mesmo, fazer o controle social, reivindicar direitos, acredito que o espaço onde reúne vários pensamentos, vários grupos políticos, vários grupos partidários, com certeza ocorre manifestações e temos que acatar. Achei pouco pelo o que nós estávamos querendo fazer, foi uma manifestação pontual, mas importante para saber que este movimento continua crítico".

Debate político
Tronolone declarou à reportagem que o movimento gay está muito dependente do governo e que isso faz com que ele patine e fique estagnado no debate político. "O movimento está muito estado-cêntrico, ele precisa ter a capacidade de auto-organização, de definir internamente e organicamente as suas agendas. Não dá mais para o movimento só se reunir, só realizar eventos e fóruns como esse quando apoiado no governo. Se as demandas do movimento não andam naquele período, o debate patina, que é o que estamos vendo. Já poderíamos estar criando novas demandas e conceitos, mas ainda estamos discutindo a mesma coisa de três anos atrás, porque a parte do governo federal não foi feita. Então, se a gente só espelhar as nossas demandas pelo o que é feito e não feito nos governos, ficamos dependentes da ação do governo para avançar no debate e já poderíamos estar na frente".

Para Regina Facchini as discussões foram "interessantes e includentes". "Para mim, que não estive na primeira Conferência, está sendo bem interessante. As discussões estão em um nível muito bom, tem conflitos, mas a partir deles está se levantando soluções interessantes, e em especial negociações entre as diferentes identidades. Por exemplo, as lésbicas e os homens trans dialogaram, a questão da bissexualidade teve alguns conflitos, mas se discutiu e, pelo menos, teve soluções mais includentes do que excludentes".

Mitchelle Meira diz que é preciso politizar ainda mais os debates. "Estamos na segunda Conferência e ainda temos muito o que avançar, muito a politizar os debates, mas acredito que é um processo de aprendizado e pedagógico para todos nós que fazemos parte do movimento LGBT", declarou.

"Eu ouvi de observadores internacionais que nós estamos na vanguarda do movimento LGBT internacional, que não existe em lugar nenhum do mundo uma Conferência com mais de 1.300 pessoas participando e discutindo de uma maneira muito de igual pra igual. Em nenhum momento o governo manipulou, tudo ocorreu de maneira muito transparente, de buscar o consenso e de ouvir a sociedade, avaliou Toni Reis.

Mais incisiva, Jandira Queiroz diz que é preciso capacitar politicamente o movimento LGBT para melhorar as relações com os poderes de Estado. "Falta absurdamente uma politização deste movimento, as pessoas precisam entender como funcionam os processos do Estado no judiciário, no executivo e no  legislativo para não chegar aqui e propor coisas que são intangíveis e que não tem base jurídica. Precisamos fazer um projeto sério de capacitação pelo movimento para o movimento", finalizou.

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